segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Em resposta

Escrever e receber comentários simultaneamente no blogue e no Facebook é complicado. Uso a minha página do Facebook principalmente para dar aviso de novas entradas no blogue, mas há amigos que as comentam aí, onde fico tecnicamente impossibilitado de responder nas melhores condições. por isto, vou remeter para esta resposta os amigos que comentaram a minha última entrada, “Mais uma vez, sobre um novo partido”.

1. Esquerda sozinha?

Acerca de eu ter dito que era necessário, para nos entendermos, começar por definir o que é esquerda (e aceito o desafio do Martins Coelho, claro que com a sua ajuda), uma comentadora, Matilde Ramalho, pergunta, e muito bem, “se, na actual conjuntura, o rumo se muda apenas com essa esquerda definida, ou se é preciso agregar-lhe o centro esquerda”. Claro que sim, como direi adiante, mas, de certa forma, está a vir ao encontro da minha tese, embora usando outra nomenclatura, quando fala de esquerda e de centro-esquerda, distintamente.

Também não gostaria que se pensasse que ao defender a análise rigorosa do que é esquerda, historicamente, politicamente, psico-sociologicamente, culturalmente, esquecesse outro plano essencial referido por outro comentador, o da práxis. Como ele escreve, “tem que ser ela [esquerda] a definir-se, não por definições teóricas, ou não só através delas, mas sobretudo pela práxis, e nela devemos todos participar sem a presunção de possuir a verdade ou que a mesma seja imóvel e eterna.

Dito isto, não tenho qualquer dúvida sobre que o entendimento entre forças políticas que possam convergir na luta contra a direita pura e dura é positivo e deve ser procurado. Creio também que ele é desejado, até com certo idealismo utópico, por muita gente progressista, de esquerda em sentido largo, e que pensa, com alguma razão prática, em termos para mim linearmente eleitorais: se o PS não consegue maioria absoluta e vai ter de se coligar, é importante prendê-lo a uma unidade de esquerda, para que o actual governo não seja substituído por coisa parecida e ainda por cima legitimado pelo PS. Se isto faz ou não sentido, discutirei depois. Também o que de conjuntural e dialéctico tem a unidade de “esquerda” (e a própria noção de esquerda, como escrevi acima).

O que respondi à minha comentadora foi que “com certeza, mas ‘cada coisa no seu sítio’. Ter noção disto é importante para elucidar a acção e permitir decisões coerentes. Não ter a noção disso é criar confusão e não se ir a parte nenhuma. A meu ver, claro.” Não me parece difícil explicar isto, mas vou recorrer a uma parábola. 

Tenho irmãos e tenho bons amigos. Os seus “sítios” são diferentes, apesar de ambos cheios de afecto, compreensão e espírito de ajuda. Custa-me muito perder um amigo, mas custa-me mais perder um irmão. Tenho festas de família em que se conversa de coisas que são íntimas, tenho festas em que os irmãos convivem com os meus bons amigos. É difícil perceber isto? 

Quando escrevi, como se vê acima, que isto “é importante para elucidar a acção e permitir decisões coerentes” quero muito simplesmente dizer que o entendimento com sectores afins, desejavelmente amigos, mas não do mesmo núcleo duro, não deve prejudicar a imagem de coerência e a limpidez de acção dessa área “de família próxima”. Esta é a questão essencial: nesta crise, que é uma mudança qualitativa na evolução do capitalismo – outra coisa de que falarei depois – qual é a fronteira das cedências em favor da convergência? Também discutirei isto.

2. A crítica da coerência e da cedência

Escreve outro comentador, Daniel Santana: “Para haver convergências é necessário que cada partido tenha ideias, e mesmo tendo-as essas carecem sempre tradução para o momento. Se todos cumprirem isto pode então nascer confrontação e daí eventuais convergências pontuais ou a médio prazo. Ora, mesmo de longe, parece-me que nenhum da "ambos os três" reuna essas condições. E pior parece que nem sequer desconfiam! (…) Basta analisar um qualquer momento para verificar-mos que cada vez que surge uma qualquer dúvida, ou proposta que pareça que se desvia da linha, afirma-se logo que há cedências, compromissos com o inimigo, traições....sem ter a menor consciência que não temos nenhuma linha. Mas tão somente uma quantidade de chavões mal alinhavados e com frequência contraditórios. Condição a todos comum, rebatem-se os chavões de outrem com os próprios ostentando sempre uma ufana bazófia. Se analisarmos um qualquer documento, não importa de qual, confrontamos-nos quase sempre com uma linguagem estereotipada, adialéctica, nefasta...., em tempos a um dos partidos chamava-se "cassete" e era-o. mas eram criticados com cassetes (eventualmente menos monolíticas, mas daí não passavam) afinadas por outros músicos!!!

Tem muita razão, a meu ver. Quase que ele poderia resumir como “quem tem telhados de vidro…” Mas esta é uma longa história da esquerda, do socialismo, do movimento operário. Entre esquerdismo e conciliação de classe, entre sectarismo e oportunismo, nem sempre foi fácil traçar a linha certa e fazê-la ser compreendida. Marx que o diga. Novamente, escreverei depois, como me provoca o meu caro (e respeitado com humildade minha, o que é muito importante) Martins Correia.

Mas já não me parece que Daniel Santana tenha razão quando, acerca do que eu escrevi e que cito acima, diz que: “A resposta do João à Matilde tem já incita a impossibilidade de qualquer hipótese de convergências. ‘Cada coisa no seu sítio’, quer dizer os sítios são à priori por mim decididos (traduzo a verdade é minha e só minha). ‘Ter a noção disto é importante para elucidar a acção e permitir decisões coerentes coerentes’. Quer dizer que só um tem capacidade de elucidar e decidir a coerência, obviamente o portador de verdade.”

Quase que sou acusado de uma espécie de puritanismo político, coisa que detesto, a começar pelo “politicamente correcto”. Não me referi a uma coerência com sentido universal mas sim àquela que é direito – e dever – de cada um, em relação à sua actuação. E, por consequência, ao que, de fora, lhe tentam impor. Aliás, este é um dos aspectos mais importantes do impacto dos actuais partidos e que revela um muito apreciável sentido ético dos eleitores. Por exemplo, em relação aos dois partidos da “esquerda radical”, não é vulgar ouvirmos dizer que “no PCP não voto, não o quero no governo, mas não há dúvida de que é coerente”? Ou, pelo contrário, “os rapazes do BE podiam bem juntar-se ao PS, mas não se pode confiar muito neles porque não são coerentes”? 

Coerência e cedências não são contraditórias. Pelo contrário, cada um dos termos enriquece o outro e dá-lhe força, ganhando significado eficaz, no concreto. É a dialéctica... Sobre isto das cedências, voltarei de novo, acerca do risco de italianização da esquerda se não cuidar da sua coerência.

Ficam por aqui as respostas directas, mas, como disse, mais teria a dizer, que uma coisa puxa outra. Fica para a próxima entrada, talvez ainda hoje.

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