O último número do Monde Diplomatique (edição portuguesa) traz um artigo controverso sobre o atual turismo, como forma de alienação e de neocolonialismo. Não concordei em absoluto com o artigo, mas esta nossa viagem fez-me pensar.
O investimento é estrangeiro e manda. Mas o país não deve proteger-se contra a atitude do investidor de matar rapidamente à fome a galinha dos ovos de ouro? Disseram-me lá que há um serviço público de controlo da qualidade dos hotéis, mas que frequentemente fecha os olhos.
O investimento é estrangeiro e manda. Sabe que vai ter uma clientela pouco exigente, tem lá um diretor de hotel em comissão de um ano que só deseja que não haja muitas chatices ou que as possa passar ao sucessor.
É uma clientela sociologicamente muito interessante de análise. Depois direi mais, mas agora uma pérola que ouvi, conversa de mãe e filho. “Mãe, não fiz a cama”. “Filho, aqui não tens de fazer. Pagamos é para sermos servidos, os criados é que fazem a cama”. “Mas vai sempre assim?” “Não, filho, quando voltarmos, como não temos empregada, vais tu fazer a tua cama, como de costume”.
A clientela típica quer piscina (só uma pequena minoria vai à praia), bar aberto e prato tipo gamela cheia de tudo no bufete do almoço e jantar. Quase ninguém se levanta duas vezes - e há dois conjuntos de talheres na mesa - para ir ao bufete, uma para a entrada/salada, outra para o prato. Vem tudo a molho.
Apesar disto, tendo o hotel (Iberostar Clube Boavista, um dos dois mais caros da ilha) em conta outros estratos de clientes, o serviço é geralmente bom, embora muito longe do que propagandeiam na net ou das 5 estrelas que o departamento de turismo de Cabo Verde lhe atribui.
“Geralmente bom”, como escrevi, não quer dizer que não haja coisas inadmissíveis. Dois dias sem limpeza do quarto. Muito pior, em outros dois dias, ao fim da tarde, não tivemos eletricidade nem água durante três ou quatro horas, na hora crítica de se querer tomar o duche depois dos banhos de mar e de se querer jantar com ar condicionado, vendo o que se come e com bebidas frescas a sair do frigorífico. Nem velas havia para todas as mesas.
Ontem, no bizarro e bonito aeroporto tropical da Boavista, veio um cabo-verdiano meter conversa, “o senhor não foi o que protestou ao jantar ontem? Gostei muito”. Infelizmente disse mais, que o cabo-verdiano (e o português?) não protesta, porque sabe que não dá nada. O que tinha sido o meu protesto? Simplesmente chamar a encarregada da sala e dizer que exigia que o diretor viesse à sala dar uma explicação e pedir desculpa aos hóspedes. Claro que não veio, mas disseram-me depois que tinha tentado falar comigo, pessoalmente, Respondi que não era ninguém a merecer conversa especial, era só um de muitos hóspedes.
Esta da falha de eletricidade tem que se lhe diga, como apurei, sem revelar a fonte. Com a sobranceria do neo-colonizador (que paga em geral 200 € por mês a cada empregado), mas espanhol, não português, a companhia resolveu ser autónoma. Instalou dois geradores e, deles dependentes, bombas elevatórias da água. Afinal, projeto minimalista de especialistas espanhois, a falhar semanalmente nos dias de maior afluxo de turistas. E eu a ver Sal Rei, a povoação ao lado, sem uma falha do fornecimento público de eletricidade e água.
Acabei também por ver que um hotel com quase um milhar de hóspedes não tem um posto de socorros. Um dos hóspedes fez na piscina - inadmissivelmente, cortando-se numa grelha semiaberta - um grande golpe num pé, sem necessidade de cuidados, como sutura, mas a sangrar bastante, como acontece com uma ferida feita dentro de água. À falta de alguém responsável, apresentei-me como “médico”. Entretanto, estavam a levar o homem em braços, a pingar sangue por toda a parte, até eu mandar embrulhar bem o pé em toalhas, esperando vir um socorrista (que nunca apareceu). Vieram limpar o sangue com detergente banal e esfregona, só depois acatando a minha instrução de usarem o hipoclorito de desinfeção da piscina.
Não é Cabo Verde que tem culpa disto, só os “clubes de férias” que por aí andam. Simplesmente, as coisas misturam-se e sinto que, ao escrever isto, posso estar a prejudicar o país, na dependência que tem do turismo.
Mas, mesmo com estas chatices, não esqueceremos a simpatia e alegria do grupo de jovens responsáveis pela animação (e com quem, em conversas de maior confiança, aprendemos muito), só não desculpando a batota que o Breiman fazia no blackjack ou os quiriquiqui que anunciavam aldrabice divertida no anúncio dos números no bingo ;-) "Quarenta e quatro, thirty four", "setenta e cinco, sixty five, soixante treize". Toda a gente bingava errado!
Bem como a comunicabilidade sorridente de todo o pessoal. Eu não percebo como se pode ir “descobrir” um país metido num resort, sem falar com os “nativos” e hoje, com a facilidade de informação, sem se ter lido uma data de páginas da wikipedia. E sem se ter sentido os dois grandes mundos de vida daquela terra, as cidades da Praia e do Mindelo.
Pode ser que a clientela seja reduzida, mas valia a pena a oferta em pacote do que fizemos: Santiago, S. Vicente, Boavista. Um dia a mais no Fogo ou em S. Antão não calhava mal.
Bem como a comunicabilidade sorridente de todo o pessoal. Eu não percebo como se pode ir “descobrir” um país metido num resort, sem falar com os “nativos” e hoje, com a facilidade de informação, sem se ter lido uma data de páginas da wikipedia. E sem se ter sentido os dois grandes mundos de vida daquela terra, as cidades da Praia e do Mindelo.
Pode ser que a clientela seja reduzida, mas valia a pena a oferta em pacote do que fizemos: Santiago, S. Vicente, Boavista. Um dia a mais no Fogo ou em S. Antão não calhava mal.
Sobre a simpatia, dou de barato que os profissionais de turismo têm de a manifestar, mas sentimos muito mais, no homem da rua a quem se faz uma pergunta, na empregada que vem arranjar o quarto e fica à conversa, até no miúdo que nos vem pedir um euro e que depois fica no paleio de curiosidade infantil, quem são bôs? O cabo-verdiano é boa gente. Já agora, como outros ilhéus, os açorianos.
Passo para outra má experiência que tivemos, as dos transportes. Creio que da responsabilidade do governo, por não me parecer que haja em Cabo Verde condições para os TACV serem empresa privada. É a bagunça total. Duas horas à espera da bagagem, no fim do voo Lisboa-Praia. Com o plano de viagem cuidadosamente elaborado com a minha agência, devia passar o dia 20 e a manhã de 21 na Praia, chegar ao Mindelo a 21 por volta das 15:00, partir para Boavista com escala na Praia a 22 saindo do Mindelo por volta das 11:00.
Tudo trocado, por informação apenas da agência de Lisboa, a Abreu (bom serviço), valendo-me ter o iPhone ligado. Todos os voos Mindelo-Praia foram cancelados, devendo nós ir à uma da manhã, perdendo a ligação para Boavista. À última hora, um novo voo às 7:00 (acordar às 5:00, porque o check in, só com um funcionário, exige duas horas). Partida da Praia para o Mindelo na véspera, confirmada, às 15:15. Assim, tempo para uma magnífica visão da ilha e visita ao campo de Chão Bom. Ao chegarmos ao aeroporto, pelas 13:00, pressionando o motorista, surpresa, quando esperávamos algum tempo de espera. Sem sermos avisados, o voo tinha sido antecipado (coisa que nunca vi - como avisam os passageiros?) duas horas e era urgente irmos fazer o check in. Afinal, só partiu às 16:00! E, para tudo isto, duas horas passadas na véspera na loja dos TACV, no Plateau com tanta coisa para se ver.
No entanto, apesar de tudo, Cabo Verde nha cretcheu!
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