O Sr. Monti, primeiro ministro italiano, sucedeu ao inefável Berlusconi e beneficia disto; parecia que ninguém depois daquele palhaço podia ser pior. Mas pode, num aspeto, o da sua inserção no sistema democrático que, mesmo com muitas entorses, Berlusconi tinha de aceitar.
O Sr. Monti foi uma imposição dos poderes centrais europeus, à margem das normas democráticas, como o seu então homólogo grego. Esperava-se que fosse um serventuário do poder consensual que domina a Europa, na lógica dos velhos protetorados.
O Sr. Monti deu provas dadas na sua carreira de aplicado funcionário do sistema, um dos muitos economistas brilhantemente formatados que começam por beber a escola de Chicago, passam pelos grandes bancos, a terminar como alto quadro do Goldman Sachs e vão até comissários europeus.
Se a UE fosse uma construção política democrática, esperar-se-ia o primeiro exemplo de respeito pela democracia e seus valores por parte dos comissários. O Sr. Monti não é um bom exemplo, comporta-se e fala como um tecnocrata, com uma cultura política enviesada pelos dogmas do neoliberalismo.
Ontem, o Sr. Monti disse que "as tensões acumuladas nos últimos anos na zona euro acarretam riscos de uma dissolução psicológica da Europa" - concordo - e que “é exactamente essa desconfiança [exigência de resgate e medidas de controlo para ajuda na dívida] que nos impediu de encontrar uma solução clara para esta crise. Temos de a superar e voltar a confiar uns nos outros.” Concordo.
Mas disse também uma coisa espantosa: "Se os governos se deixarem vincular e condicionar pelos Parlamentos, sem guardar espaço de negociação, então será mais provável a Europa desmoronar-se do que haver maior integração". Como é possível que um chefe de governo de um país democrático diminua de forma tão ostensiva a base representativa da democracia? Não parece um apelo à ditadura, mesmo que numa versão suave, inicial e provisória, de governo de “iluminados”? Ou a suspensão da democracia de que falava Manuela Ferreira Leite? Os tempos estão perigosos!
Claro que se percebeu logo que estava a apontar para a Alemanha, mas acabou por lhe oferecer uma boa oportunidade de brilhar. Hoje, vem o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão dizer candidamente que “o controlo parlamentar das políticas europeias está para além de todas as discussões, precisamos de reforçar a legitimação democrática, e não de a enfraquecer”, (…) “As decisões dos Governos devem ter uma legitimidade democrática. A chanceler tem consciência de que na Alemanha os textos legislativos devem ser apoiados pelo Parlamento e que este deve participar na sua elaboração”. Por uma vez, concordo com o governo alemão.
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