sexta-feira, 10 de julho de 2015

A três meses das eleições

Ler sondagens tende a ser como só ler os títulos da primeira página do jornal. Esta última, do Público, ao contrário da anterior da Universidade Católica, tem merecido o comentário generalizado: PS venceria as eleições, mas sem maioria absoluta. É verdade, mas já não dizer-se que seria por 4,9%, já que a margem de erro da sondagem é de ±3,1%. Nom entanto, já hoje, noutra sondagem, a diferença não é significativa, caindo dentro do erro máximo de amostragem.
Também é verdade que, mesmo que à projeção do PS se some a margem de erro máximo (37,6%+3,1%=40,7%), se fica longe do mínimo necessário, pelo nosso sistema eleitoral, para a maioria absoluta (cerca de 43%). Isto suscita algumas considerações interessantes.
Olhando para o lado direito, existem vários cenários. O mais simples aritmeticamente mas não politicamente seria uma coligação do arco ordo/neoliberal, PS mais a atual coligação. A meu ver, seria suicida para o PS, repetindo o exemplo grego do anterior governo e o que isso causou de desgaste ao PASOK. Além disso, diga-se em justiça, por mais que se critiquem as posições direitistas do PS, ainda vai alguma diferença para a coligação, principalmente nas propostas temperadas de intuitos sociais.
Costa: “E deixou a ideia de que o diálogo será difícil se estes partidos mantiverem as actuais lideranças – deixando a porta aberta para aproximações pós-eleitorais caso ganhe mas só se Portas e Passos saírem de cena.” É outro cenário? Certamente que ninguém o leva a sério, tão imponderável que é.
Outra possibilidade seria a de a coligação deixar passar o programa de um governo minoritário, vencendo o provável voto contra do PCP/PEV e do BE. Não se percebe é que vantagem teriam nisso a coligação e, mesmo em termos de solidez de um governo de tempos difíceis, o próprio PS. A não ser, como também no caso da esquerda, para viabilizar um governo do PS, a celebração de um acordo sem incidência governamental e muito flexível em termos de incidência parlamentar, com linhas gerais de orientação política. Nem para a direita, nem para a esquerda, não estou a ver., mas nunca se sabe, caso a situação s complique. Anote-se que o PCP e o BE podem ser forçados a qualquer coisa do género, para não ficarem mal perante muito eleitorado de esquerda, sem partido.
Uma possibilidade que parece arredada, como se vê por esta sondagem, é a do reforço do PS, por fora, por novos partidos, nomeadamente o Livre/TdA. Os seus 0,5%, abaixo, por exemplo, do PCTP e do PAN, levam-no a um papel irrisório e em nada pesam em qualquer desses cenários. É mesmo de esperar que, numa situação de grande proximidade entre os grandes, haja tendência para voto útil, diretamente no PS e reduzindo o Livre/TdA a um grupo de amigos, cada vez mais alvo de suspeita de oportunismo enquanto não se desmarcarem do PS.
Há também outros resultados curiosos da sondagem. A pergunta “qual é o partido de que se sente mais próximo?”, as respostas são praticamente coincidentes com a sondagem. Isto parece indicar que pesa muito o voto ideológico, a menos que, no centrão, haja movimentações simétricas em relação aos dois parâmetros, intenção de voto e identificação partidária. Por exemplo, a queda enorme na intenção de voto da coligação de 2011 para agora (a comunicação social esquece sempre isto) parece ser mais do que transitória e refletir mudança de identificação.
Muito curiosa é a incongruência entre identificação partidária e intenção de voto, por um lado, e aspirações políticas dos eleitores. As quatro principais expetativas, entre 42,6% e 83,3% (digamos que 60%), são a criação de emprego, o abaixamento de impostos, a recuperação do poder de compra e o crescimento da economia. Claramente uma agenda antiausteritária. Mas bate certo com os números? Admita-se que esta agenda tem o pleno dos eleitores da esquerda e do PS, 54,6% segundo a sondagem. Há então 6 a 12% de eleitores da coligação de direita que apoiam sea agenda?
Também é interessante parecer haver contradição em relação à avaliação do desempenho do governo e da oposição. Enquanto que 37,3% entendem que o país está pior, 21,9% entende o contrário. No entanto, isto não penaliza o governo (a não ser na queda desde 2011), verificando-se até que são maiores as percentagens dos que entendem que governo (40,5%) ou oposição (32%) apresentaram boas propostas em pelo menos metade das situações.
Qual é, provavelmente, o principal fator de voto? A simpatia pessoal. Esta sondagem mostra que os aspetos programáticos, mesmo correspondendo às expetativas de mudança de política, não bastam. O que conta é uma infindável lista de características pessoais-mediáticas. A diferença é de décimas em relação à pergunta “quem tem mais qualidades para ser primeiro ministro?”. Parece que estamos em monarquia absoluta. É a política de hoje.
Finalmente, uma coisa importante mostrada por esta sondagem, e que deve fazer refletir os convergencistas da esquerda ampla, ou aqueles que defendem que existe uma maioria social de esquerda, que é necessário concretizar em maioria política.
Para isso, define-se a tal maioria de esquerda como a soma dos eleitores do PS, do PCP/CDU e do BE. Começa por haver várias falácias. Em primeiro lugar, uma maioria eleitoral é uma maioria política, não uma maioria social. Pode é não ter tradução institucional. Segundo, inverte-se o raciocínio: começa-se, a priori, por definir esquerda como aquele eleitorado, o que é infundamentado, e daí se parte para as referidas conclusões.
Ora a presente sondagem mostra indubitavelmente que, no caso de não haver maioria absoluta, são mais numerosos, embora tangencialmente (36,4%), os que preferem um governo de coligação dos “partidos de poder” – não há dúvida de que a desinformação pega – do que os que preferem uma coligação de esquerda (33,4%). Não são as cúpulas partidárias que não se entendem, é o eleitorado que está crispado. Seria aliás interessante cruzar dados entre esta resposta e a intenção de voto.

2 comentários:

  1. Boa análise, e para este mês ainda falta a sondagem da aximage/CM que me cheira que vai dar a coligação à frente, veremos.

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  2. Quando o PS quiser e precisar saberá conversar (e não dar palpites ao) com o PCP. Melhor do que ninguém, António Costa sabe que assim é. Ponto final.

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