sábado, 16 de maio de 2015

De novo o AO90

Combinei falar hoje das consoantes mudas, Começo por reproduzir a respe(c)tiva base do AO90.
BASE IV: DAS SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS
1. O c, com valor de oclusiva velar, das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p das sequências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam. Assim:
a) Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas da língua: compacto, convicção, convicto, ficção, friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto;
b) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua: ação, acionar, afetivo, aflição, aflito, ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar, batizar, Egito, ótimo;
c) Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;
d) Quando, nas sequências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de acordo com o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se, respetivamente, nc, nç e nt: assumpcionista e assuncionista; assumpção e assunção; assumptível e assuntível; peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso, sumptuosidade e suntuosidade.
2. Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: o b da sequência bd, em súbdito; o b da sequência bt, em subtil e seus derivados; o g da sequência gd, em amígdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite, amigdalóide, amigdalopatia, amigdalotomia; o m da sequência mn, em amnistia, amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar, omnímodo, omnipotente, omnisciente, etc.; o t da sequência tm, em aritmética e aritmético.
Não me parece nenhum atentado à língua, aproxima a grafia da fonética e dá igual valor legal a diversas normas ortográficas quando a elas correspondem diferentes usos fonéticos cultos. Além de que hoje teclar consome tempo.
As minhas dúvidas provêm da facultatividade e da possibilidade de introdução de ambiguidades, Como se vê pela brejeirice do arquitectas/arquitetas, há certamente muitas palavras nas condições das alíneas do parágrafo 2 do que as enumeradas no acordo. Sei que vai haver vocabulários oficiais, mas, entretanto, interrogo-me.
O meu principal problema vem com a facultatividade e com a alínea c). O que quer isto dizer? Que ambas as grafias são aceites oficialmente, tanto no Brasil como em Portugal? Seria o caso inglês, mas, tanto quanto me apercebo, as grafias facultativas referem-se a casos limitados (…ise/…ize, …our/…or, center/centre) e o uso corresponde a duas grandes áreas, de influência britânica e americana. Olhando para as palavras da alínea c) presumo que se vai passar o mesmo e que o uso facultativo se definirá pela dominante em cada país.
Ou podem ser facultativas num mesmo país? Tenho muitas dúvidas sobre a razoabilidade disto. Eu pronuncio com consoante sonora todas as palavras da alínea a): compacto, convicção, convicto, ficção, friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto, núpcias, rapto. Como mudas todas as da alínea b): ação, acionar, afetivo, aflição, aflito, ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar, batizar, Egito, ótimo.
Assim, poderia facilmente extrapolar para a regra geral de só manter as consoantes que pronuncio. Mas fico com dificuldades quanto à alínea c), que me vai obrigar durante algum tempo a recurso ao vocabulário. Das exemplificadas no AO90, pronuncio como sonoras as consoantes c e p de caracteres, dicção, sumptuoso e facto, como mudas as restantes.
Esta variabilidade de pronúncia entre pessoas cultas vai criar confusão quanto à ado(p)ção do critério fonético. E se sim, quem decide? Na escola, o professor, ou mesmo cada aluno, por via da sua pronúncia ou simplesmente porque prefere? Se eu tiver dois filhos um em cada escola, será que vou ler trabalhos em que um escreve facto e outro fato (acontecimento). Não é para mim problema intransponível, mas parece-me uma falha que poderia ter sido resolvida à inglesa, com a facultatividade referida a áreas linguísticas. Curiosamente, ou estou em erro ou ainda não vi discutir o problema que agora abordo.
Agora é tarde e não adianta pretender que se pode voltar atrás.
Por mim vou ser prático e, em relação às facultativas, usar o meu próprio critério fonético.

P. S. – Disse que falaria sobre o hífen e as palavras compostas. Tive de fazer uma experiência: verificar textos meus segundo a norma de 45 em relação a este assunto. Para minha vergonha, dei por muitos erros meus. Vou ter de estudar e, já agora, que seja com o AO90. Afinal, o de 1945 é muito mais confuso e propenso a erros.

3 comentários:

  1. Está a induzir em erro. Facto é para ficar facto. No AO90, o c não cai nesta palavra. Lê-se e diz-se facto e não fato.

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  2. Não. Passa a facultativo (facto ou facto), cf alíea c) da base IV.

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  3. Afinal, sim. É facultativo, mas com aplicação condicionada ao Brasil ou a Portugal. Veja-se o vocabulário do Portal d Língua Portuguesa: "também variante AO de : facto
    Nota: Enquanto variante AO, esta forma apenas é aceite no Brasil."

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