domingo, 8 de setembro de 2013

A porta giratória da televisão e da rádio

Quase que só ouço rádio no horário rotineiro das minhas deslocações, com o rádio do carro ligado. Assim, ouvi hoje, creio que pela primeira vez, um programa chamado “O governo sombra”, da TSF. São participantes Ricardo Araújo Pereira, o gato fedorento, pessoa com frequentes manifestações de opinião à esquerda; Pedro Mexia, ex-director da Cinemateca, ensaísta e poeta, colaborador de Pedro Lomba na blogosfera e que, por isto, julgo ser um conservador educado e civilizado; e João Miguel Tavares, que leio no Público por masoquismo, exemplo de uma nova direita arrogante, bruta e acéfala.

O que fazem tão díspares pessoas no mesmo programa? O programa é indiscutivelmente de natureza política. Simplesmente, não discutem política a sério. Fazem humor com pouca graça (nem mesmo RAP consegue sobressair e JMT é obviamente demasiado obtuso para algum refinamento de humor). Mas fazem esse “humor” misturando-o com crítica política, claro que de dichote e sem qualquer profundidade. Assim, o programa é um embuste. Nem é de verdadeira discussão política nem é de humor que permita ao ouvinte ficar a pensar que “eles estão só a gozar”. O que fazem ao ouvinte é transmitirem-lhe a sua opinião política, como quem não quer a coisa e como se não fosse para se levar a sério.

Se assim é, pode-se perguntar porque é que a opinião política de RAP, de PM ou de JMT é mais relevante do que a de qualquer outra pessoa, muitas vezes com opiniões muito mais elaboradas e fundamentadas. Ou de pessoas cuja filiação ideológica ou simpatia filosófica ou política seja transparente. Ou que tenham a respeitabilidade de obra académica consagrada. É o que vejo noutros países. Aqui não. O que vale cá é a notoriedade mediática, mesmo que de Beppes Grillo, afinal num circuito à “carrossel napolitano” em que todos são amigos: políticos, jornalistas, opinadores, intelectuais de serviço e bobos de toda a espécie.

Para não deixar sozinho esse programa, e não conhecendo muitos dos seus semelhantes, refiro outro que me parece exactamente igual, o “Eixo do Mal”. Exceptuo a “Quadratura do Círculo”. Tudo neste programa é transparente (fora, claro, as agendas políticas pessoais) e os seus participantes são pessoas indiscutivelmente credenciadas para a discussão política. Até demais, porque não acho que seja normal, em termos de vida das instituições democráticas, que o presidente da maior autarquia do país participe regularmente em programas televisivos (já agora, recebe cachet?).

O que fazem nesses programas pessoas de esquerda como Daniel Oliveira e Ricardo Araújo Pereira, num contexto de futilidade e de graçola gratuita em que raramente conseguem lançar, muito menos desenvolver, uma ideia que justifique a sua presença? Será que, face à preocupação das estações de aparecer com respeito por algum pluralismo, eles fazem bem aceitando estar presentes e influenciar a discussão? Duvido.

Ainda hoje, não ouvi de RAP, em confronto com os seus parceiros, nem uma afirmação que marcasse diferença, nem sequer que nos fizesse lembrar o cronista da Visão. Ou Daniel Oliveira, a conversar sobre futilidades com uma senhora espertinha e com um engraçado sem ideias? Estão a mostrar que são democratas, que podem dialogar – será que discutir política? – com gente de direita? Ou então, no seu pleno direito e no seu exercício profissional, estão num programa de mero entretenimento? Muito bem, mas não usem isso para afirmação pessoal com fins políticos.

Passando para o comentário político televisivo, propriamente dito, e comparando com o que conheço de outros sítios, até aqui ao lado, creio que temos uma situação aberrante. São raros os opinadores ou comentadores não envolvidos directa ou indirectamente, ontem, hoje ou amanhã, na vida política. As televisões são o prolongamento das câmaras adequadas de debate político, mas sem as regras democráticas que essas têm. 

Digam-me de um país em que fale com programa próprio na televisão um ex-primeiro ministro, um ex-ministro do núcleo central de outro governo, um ex-líder de um partido. Ou em que o mais popular, mais manipulador, mais intriguista protagonista televisivo é um homem sempre metido na política, com ambições pessoais de cuja fama não se livra.

É claro que, em muitas televisões estrangeiras, há entrevistas a políticos e a sua participação em programas muito tipicamente americanos que cá não temos, como o Daily Show de Jon Stewart. Mas são fortemente apertados, não lhes fazem os fretes que aqui fazem os apresentadores dos programas em que esses senhores afinal dizem o que querem.

Mas, ó portugueses, afinal como é que aceitam que vos façam a cama e vos ponham a canga?

1 comentário:

  1. O caminho é pedregoso, o pasto difícil, e ele há uns lameiros verdejantes... Muitos são os candidatos, poucos são os eleitos.
    Transposta a cancela, é comer à fartazana. o terreno está encharcado, mesmo os pernaltas levezinhos se atolam. Mas, no cômputo geral, não parece mal: comemos como doidos mas mugimos que nos fartamos, é uma risota geral, já ninguém percebe muito bem se a sério se a brincar.
    Enfim, o que os faz falar mal é a inveja.
    Também queriam.

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